O regime geral da Previdência Social oferece um tratamento diferenciado aos trabalhadores que exercem atividade rural, em regime de economia familiar e sem empregados permanentes. Regulada pelo artigo 48, parágrafos 1º e 2º, e pelo artigo 143 da Lei 8.213/91, a concessão da aposentadoria rural, entretanto, nem sempre se dá de forma pacífica. Em muitos casos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) precisa intervir para que a norma infraconstitucional seja cumprida.
Todo trabalhador que comprove o exercício da atividade rural ou de pescador, de forma individual ou com auxílio da família, por 15 anos, além da idade mínima (55 anos para mulher e 60 para homem), tem direito de solicitar o benefício, que é de um salário mínimo.
Apesar de a maioria dos trabalhadores rurais começar a trabalhar ainda na infância, não é todo o período que pode ser usado para o cálculo dos 15 anos exigidos. De acordo com a jurisprudência do STJ, “comprovada a atividade rural do trabalhador menor de 14 anos, em regime de economia familiar, esse tempo deve ser computado para fins previdenciários.”
Por aplicação do princípio da universalidade da cobertura da seguridade social, o entendimento da corte é de que a proibição do trabalho ao menor de 14 anos foi estabelecida em benefício do menor e não em seu prejuízo. Dessa forma, no julgamento do REsp 573.556, a Quinta Turma do STJ admitiu o cômputo do período de serviço rural prestado a partir dos 12 anos como tempo de contribuição.
O STJ também já se pronunciou a respeito da polêmica sobre a dimensão do imóvel rural, isto é, se ela descaracteriza ou não o regime de economia familiar. No julgamento do REsp 1.532.010, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) considerou que não foi devidamente comprovado o exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, em razão do tamanho da propriedade.
Segundo o acórdão, “a extensão da propriedade, descrita na exordial (74,1 hectares), nas certidões (74,1 e 36,3 hectares), nas declarações cadastrais de produtor (36,3 e 46,4 hectares), bem como na escritura pública de divisão amigável (70,6286 hectares), descaracterizam a alegada atividade como pequeno produtor rural em regime de economia familiar”.
A decisão foi reformada no STJ. De acordo com o relator, ministro Sérgio Kukina, o entendimento do TRF3 contrariou a jurisprudência do tribunal, segundo a qual o tamanho da propriedade, por si só, não descaracteriza o regime de economia familiar, quando preenchidos os demais requisitos necessários à sua configuração, que são a ausência de empregados permanentes e a mútua dependência e colaboração do núcleo familiar nas lides no campo.
A aposentadoria rural híbrida é o benefício que considera tanto o tempo de trabalho urbano quanto o tempo rural. No STJ, A Segunda Turma manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que concedeu a uma mulher o benefício da aposentadoria híbrida ao permitir que o período de atividade rural fosse somado ao do trabalho urbano.
Para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a aposentadoria foi concedida de forma inadequada e sem fonte de custeio, mas o relator, ministro Mauro Campbell Marques, não acolheu a argumentação.
Segundo ele, a Lei 11.718/08, que deu nova redação ao artigo 11 e ao artigo 48 da Lei 8.213/91, criou a possibilidade de mesclar os requisitos das aposentadorias por idade urbana e rural, sem o direito à redução de cinco anos na idade exigida para a concessão.
“A Lei 11.718/08, em vigor desde 23/6/2008, deu nova redação aos artigos 11 e 48 da Lei 8.213/91, acrescentando ao artigo 48 os parágrafos 3º e 4º, criando a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais que se enquadrem nas categorias de segurado empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial, com observância da idade de 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher”, explicou o ministro.
Ele observou que existem inúmeros segurados da Previdência Social que trabalharam no meio rural por longo tempo e, posteriormente, buscaram melhores condições de vida na área urbana. Segundo ele, esse passado de trabalho rural não pode ser ignorado.
“No período como trabalhador rural, diante da ausência de contribuições previdenciárias, deve ser considerado para fins de cálculo atuarial o valor do salário mínimo. Esta, no meu modo de sentir, é a inteligência do parágrafo 4º do artigo 48 da Lei de Benefícios”, argumentou o ministro (REsp 1.367.479).
No site do INSS, é possível conferir alguns exemplos de documentos aptos a comprovar a atividade rural do trabalhador para a concessão da aposentadoria rural, como contrato de arrendamento, notas fiscais e título de eleitor.
Antes do julgamento do REsp 1.348.633, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 638), alguns tribunais consideravam como trabalho rural apenas o período posterior à data do documento mais antigo apresentado, mas a Primeira Seção do STJ modificou esse entendimento e firmou a tese de que é possível comprovar o período de trabalho rural anterior ao do registro material mais antigo, por meio de testemunhas.
O colegiado reconheceu que apesar de a Súmula 149 do STJ estabelecer que “a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola para efeito da obtenção de benefício previdenciário”, é possível, mediante apresentação de um início de prova material, o reconhecimento do tempo de serviço rural, corroborado por testemunhos idôneos.
Outra tese firmada pela Primeira Seção em recurso repetitivo (REsp 1.354.908) foi a de que “o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício” (Tema 642).
No caso apreciado, uma segurada ajuizou ação contra o INSS para garantir o recebimento do benefício da aposentadoria rural por idade. A sentença, confirmada no acórdão de apelação, julgou o pedido procedente.
Para o tribunal de origem, a segurada reuniu todos os requisitos legais para concessão do benefício, assegurando ter sido demonstrado o exercício da atividade rural por início de prova material e testemunhos, no período imediatamente anterior ao requerimento.
O INSS, então, interpôs recurso especial sob o fundamento de que não foi apresentada prova documental de que a segurada exercia o trabalho na condição de rurícola no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
De acordo com o processo, a segurada, nascida em 1952, trabalhou na lavoura desde os seus 14 anos de idade. Em 1980, o marido ingressou como servidor público de uma prefeitura e ela continuou a exercer suas atividades rurais, tendo apenas exercido atividades urbanas entre os períodos sazonais de safras, como empregada doméstica.
Foram reconhecidos como início de prova material pelo tribunal de origem a certidão de nascimento da segurada, a certidão de casamento, a certidão de nascimento dos filhos, a ficha do sindicato dos trabalhadores rurais, a escritura pública de propriedade rural e a carteira de trabalho.
O fato de a segurada ter trabalhado como empregada doméstica no período da entressafra não descaracteriza sua condição de segurada especial, pois a Lei 8.213/91 garante o cômputo do período em que o trabalhador rural se encontre em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 dias.
No caso julgado, entretanto, a concessão da aposentadoria foi prejudicada porque ela estava trabalhando como doméstica quando completou a idade mínima. A jurisprudência do STJ exige que o conjunto probatório da atividade rural comprove a carência no período imediatamente anterior ao requerimento.
“O artigo 143 da Lei 8.213/91 contém comando de que a prova do labor rural deverá ser no período imediatamente anterior ao requerimento. O termo imediatamente pretende evitar que pessoas que há muito tempo se afastaram das lides campesinas obtenham a aposentadoria por idade rural. A norma visa agraciar exclusivamente aqueles que se encontram, verdadeiramente, sob a regra de transição, isto é, trabalhando em atividade rural, quando do preenchimento da idade”, explicou o relator, ministro Mauro Campbell Marques.
REsp 573556• REsp 1532010• REsp 1367479• REsp 1348633• REsp 1354908
Fonte: STJ
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