top of page
Foto do escritorJhonatan Vicentini

Violência psicológica, qualifica lesão corporal por razões da condição do sexo feminino

Foi publicada a Lei nº 14.188/2021, que tratou sobre quatro assuntos:

·Instituiu o programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica" como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher;

·Nova qualificadora para a lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino;

·Criou o crime de violência psicológica contra a mulher;

·Inserção da integridade psicológica no art. 12-C da Lei Maria da Penha.

PROGRAMA “SINAL VERMELHO”

O programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica” é mais uma iniciativa para enfrentar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Como funciona o programa?

A mulher procura uma repartição pública ou uma empresa participante do programa (ex: drogarias, restaurantes, salões de beleza) e, para denunciar que está sendo vítima de violência doméstica, escreve um “X” com batom vermelho (ou qualquer outro material), na palma de sua mão ou em um pedaço de papel.

Ao verificar esse sinal, as atendentes acionam, de forma discreta, a Polícia, por meio de um canal imediato de comunicação, a fim de que a mulher tenha a devida assistência.

Em seguida, se possível, conduz a vítima a um espaço reservado, para aguardar a chegada da Polícia. Caso não seja possível, anota-se os dados da mulher para fornecer às autoridades.

Veja os artigos da Lei que tratam sobre o tema:

Art. 2º Fica autorizada a integração entre o Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os órgãos de segurança pública e as entidades privadas, para a promoção e a realização do programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como medida de ajuda à mulher vítima de violência doméstica e familiar, conforme os incisos I, V e VII do caput do art. 8º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Parágrafo único. Os órgãos mencionados no caput deste artigo deverão estabelecer um canal de comunicação imediata com as entidades privadas de todo o País participantes do programa, a fim de viabilizar assistência e segurança à vítima, a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por meio do código “sinal em formato de X”, preferencialmente feito na mão e na cor vermelha.

Art. 3º A identificação do código referido no parágrafo único do art. 2º desta Lei poderá ser feita pela vítima pessoalmente em repartições públicas e entidades privadas de todo o País e, para isso, deverão ser realizadas campanha informativa e capacitação permanente dos profissionais pertencentes ao programa, conforme dispõe o inciso VII do caput do art. 8º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para encaminhamento da vítima ao atendimento especializado na localidade.

Vale ressaltar que, mesmo antes da Lei nº 14.188/2021, esse programa já havia sido lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em junho de 2020.

No site do CNJ há cartilhas explicando o programa que já conta com inúmeras empresas participantes.

NOVA QUALIFICADORA PARA A LESÃO CORPORAL SIMPLES COMETIDA CONTRA A MULHER

LESÃO CORPORAL DOLOSA

LESÃO CORPORAL CULPOSA Lesão corporal culposa (§ 6º) § 6º Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano. Obs: aplicam-se os benefícios dos §§ 7º e 8º à lesão corporal culposa. § 7º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do art. 121 deste Código. § 8º Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

No art. 129 do Código Penal existem diferentes formas de lesão corporal:

Como tipificar uma lesão corporal praticada em contexto de violência doméstica?

Depende:


2) Se for lesão grave, gravíssima ou seguida de morte: Aplica-se o § 1º (grave), § 2º (gravíssima) ou o § 3º (lesão seguida de morte) cumulada com a causa de aumento de pena do § 10: Art. 129 (...) § 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). O novo § 13 do art. 129 do CP, inserido pela Lei nº 14.188/2021, pune apenas a lesão corporal praticada no contexto de violência doméstica? NÃO. Veja novamente a redação do dispositivo: Art. 129 (...) § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).

O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o que significa “razões de condição de sexo feminino”:

Art. 121 (...)

§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Desse modo, o novo § 13 do art. 129 do CP, inserido pela Lei nº 14.188/2021, pune duas situações distintas:

a) Lesão corporal praticada contra mulher no contexto de violência doméstica e familiar;

b) Lesão corporal praticada contra mulher em razão de menosprezo ou discriminação ao seu gênero.

a) Lesão corporal praticada contra mulher no contexto de violência doméstica e familiar

É preciso contextualizar o tema e buscar a interpretação sistemática, socorrendo-se da definição de “violência doméstica e familiar” encontrada no art. 5º da Lei n.° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assim a conceitua:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Desse modo, conclui-se que, mesmo no caso de lesão corporal praticada no contexto de violência doméstica e familiar, será indispensável que o crime envolva o gênero (“razões de condição de sexo feminino”).

Ex.1: marido que pratica lesão corporal contra a mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar dele.

Ex.2: companheiro que pratica lesão corporal contra a sua companheira porque quando chegou em casa o jantar não estava pronto.

Por outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente doméstico ou familiar e mesmo que tenha a mulher como vítima, não se aplicará o art. 129, § 13 do CP se não existir, no caso concreto, uma motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex: duas irmãs, que vivem na mesma casa, disputam a herança do pai falecido; determinado dia, durante uma discussão sobre a herança, uma delas pratica lesão corporal contra a outra; esse crime foi cometido com violência doméstica, já que envolveu duas pessoas que tinha relação íntima de afeto, mas não se aplicará o § 13 do art. 129 porque não foi uma lesão baseada no gênero (não houve violência de gênero, menosprezo à condição de mulher), tendo a motivação do delito sido meramente patrimonial.

É o que se extrai da jurisprudência do STJ:

(...) 1. Nos termos do art. 4º da Lei Maria da Penha, ao se interpretar a referida norma, deve-se levar em conta os fins sociais buscados pelo legislador, conferindo à norma um significado que a insira no contexto em que foi concebida. Esta Corte possui entendimento jurisprudencial no sentido de que a Lei n. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial, desde que o crime seja cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto (AgRg no REsp n. 1.427.927/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, julgado em 20/3/2014, DJe 28/3/2014).

2. Nesse contexto, é de se ter claro que a própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher.

3. A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que, para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. Na hipótese dos autos, entretanto, a Corte de origem asseverou que a lesão praticada contra a vítima, pelo ora recorrido, não se encontra abrangida pelo artigo 5° da Lei Maria da Penha, uma vez que a agressão originou em razão de uma discussão relacionada ao fato da motocicleta do namorado da vítima estar na garagem da residência do acusado e pelo fato do autor não aprovar o relacionamento amoroso da ofendida. E acrescentou, ainda, que in casu, verifica-se que a prática do crime de lesão corporal não decorre da existência de uma relação de domínio/subordinação do acusado para com a vítima no ambiente familiar, condição sine qua non aplicação da citada norma. Mas, sim, pelo fato do acusado não aceitar o relacionamento da vítima com a testemunha Givanildo. (...)

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1700026/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/11/2020.

b) Menosprezo ou discriminação à condição de mulher

Para ser enquadrado neste inciso, é necessário que, além de a vítima ser mulher, fique caracterizado que o crime foi motivado ou está relacionado com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Ex: funcionário de uma empresa que pratica lesão corporal contra a sua colega de trabalho em virtude de ela ter conseguido a promoção em detrimento dele, já que, em sua visão, ela, por ser mulher, não estaria capacitada para a função.

Na hipótese de concurso de pessoas, essa qualificadora do art. 129, § 13 do CP, se comunica aos demais agentes?

SIM. Pelo fato de o § 13 do art. 129 do CP guardar relação com a condição da vítima (lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino), trata-se de qualificadora de natureza objetiva (ou seja, ligada ao fato praticado).

Perceba que a qualificadora não está relacionada a aspectos pessoais ou individuais do agente delituoso. Daí não se falar de qualificadora de natureza subjetiva.

Aliás, o STJ já teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema quando analisou a qualificadora do feminicídio, podendo o raciocínio ali desenvolvido ser aplicado aqui:

Nos termos do art. 121, § 2º-A, II, do CP, é devida a incidência da qualificadora do feminicídio nos casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar, possuindo, portanto, natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análise do animus do agente. Assim, não há se falar em ocorrência de bis in idem no reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto, a primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva.

STJ. 6ª Turma. HC 433.898/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018.

No mesmo sentido acima, em decisão monocrática, o Min. Felix Fischer observou com detalhes:

“Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise.” (STJ. REsp 1707113, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/11/2017)

Comunica-se, portanto, a qualificadora de natureza objetiva do art. 129, § 13, do CP, aos demais agentes.

NOVO CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER

A Lei nº 14.188/2021 acrescentou um novo crime no art. 147-B do Código Penal: o delito de violência psicológica contra a mulher.

A violência psicológica não era prevista como crime antes da Lei nº 14.188/2021?

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), desde a sua edição, previu que a violência doméstica e familiar contra a mulher não é apenas a violência física, podendo também ser violência psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Nesse sentido, veja o que diz o art. 7º, II, da Lei nº 11.340/2006:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

(...)

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

A despeito disso, não havia um tipo penal específico para punir o agente que causasse violência psicológica contra a mulher. Essa situação gerava, em alguns casos, uma proteção deficiente para a mulher, conforme observaram Valéria Diez Scarance Fernandes, Thiago Pierobom de Ávila e Rogério Sanches Cunha:

“Embora a Lei Maria da Penha contemple a violência psicológica no art. 7º, inc. II, até a entrada em vigor da Lei n. 14.188/2021 não havia no ordenamento jurídico brasileiro um tipo penal correspondente. Era contraditório constar expressamente essa forma de violência em uma das leis mais conhecidas e importantes do país, que a define como uma “violação dos direitos humanos” (art. 6º) e, ao mesmo tempo, a conduta correspondente não configurar necessariamente um ilícito penal. Diversas condutas consistentes em violência psicológica – como manipulação, humilhação, ridicularização, rebaixamento, vigilância, isolamento – não configuravam, na imensa maioria dos casos, infração penal. Apesar de serem ilícitos civis, não configuravam crime. Não raras vezes, vítimas compareciam perante autoridades para registrar boletins de ocorrência por violência psicológica e eram informadas de que a conduta não configurava infração penal (sequer contravenção).

A ausência de tipificação também dificultava o deferimento de medidas protetivas de urgência, pois, embora os tribunais superiores e o art. 24-A da Lei Maria da Penha permitam a medida protetiva civil autônoma, ainda há, lamentavelmente, muita resistência em se conceder instrumentos de proteção divorciados da infração penal, de um registro de boletim de ocorrência ou procedimento criminal.

Com a inserção do art. 147-B no Código Penal, essa lacuna é preenchida e passa a ser crime praticar violência psicológica contra a mulher.

(...)” (FERNANDES, Valéria Diez Scarance. ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: http://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/)

Veja abaixo a redação do novo tipo penal:

Violência psicológica contra a mulher

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

Em que consiste o crime:

- Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento; ou

- Causar dano emocional à mulher com o objetivo de degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.

Esse dano emocional pode ser praticado, exemplificativamente, por meio de:

·ameaça;

·constrangimento;

·humilhação;

·manipulação;

·isolamento;

·chantagem;

·ridicularização;

·limitação do direito de ir e vir; ou

·qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.

Sujeito ativo

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher).

Sujeito passivo

Consiste em crime próprio, tendo em vista que a vítima deve ser mulher (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino).

Prevalece na doutrina e jurisprudência que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para a mulher transgênero, ainda que não tenha se submetido a cirurgia de redesignação sexual. Logo, a mulher transgênero pode ser vítima desse crime.

Elemento subjetivo

O crime é punido a título de dolo.

Vale ressaltar, contudo, que o dolo do agente está ligado às condutas (ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação etc.).

Em outras palavras, não se exige que o agente queira causar “dano emocional” à vítima. Exige-se que ele pratique alguma das condutas acima listadas com consciência e vontade.

Importante ressaltar ainda que o art. 147-B, ao contrário do feminicídio (art. 121, § 2º, VI) e da lesão corporal do § 13 do art. 129, não exige expressamente que o crime de violência psicológica tenha sido cometido “por razões da condição do sexo feminino”.

Tipo misto alternativo:

Trata-se de tipo misto alternativo, ou seja, o legislador descreveu várias condutas (verbos), porém, se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso.

Consumação

O crime se consuma com a provocação do dano emocional à vítima. É o que se extrai da locução “causar dano emocional à mulher”. Trata-se, portanto, de crime material, que exige um resultado naturalístico.

A tentativa, em tese, é possível, no entanto, é improvável de ocorrer na prática.

Não se trata de crime habitual

É muito comum que a violência psicológica seja praticada mediante reiterados atos. A pessoa humilha em um dia, pede desculpas no outro, volta a humilhar em seguida e assim por diante.

Vale ressaltar, contudo, que, para configurar o crime, não se exige reiteração de condutas. Não se trata de crime habitual.

Desse modo, é possível que o agente uma única oportunidade, pratique ameaças, constrangimento e humilhação contra a mulher, causando-lhe dano emocional. A partir desse dia, a mulher decide se afastar do agressor. O crime, contudo, já terá se consumado.

Violência psicológica x lesão corporal

Rogério Sanches defende que, se a violência psicológica resultar em lesão à saúde psicológica da vítima, comprovada por exame e demonstrado nexo de causalidade (indicando o respectivo CID), haverá o crime de lesões corporais, que poderá ser leve (art. 129, § 13) ou até grave, quando, por exemplo, causar a incapacidade da vítima para exercer suas ocupações habituais por mais de trinta dias (art. 129, § 1º, I, do CP). Também haverá lesão grave se a doença psicológica gerar pensamentos suicidas, diante do risco à vida (FERNANDES, Valéria Diez Scarance. ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: http://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/)

Desnecessidade de perícia

A despeito de se tratar de crime material, penso que não é indispensável a realização de perícia, podendo o dano emocional ser comprovado por intermédio do depoimento da vítima e da prova testemunhal, além de eventuais relatórios médicos ou psicológicos.

Vale ressaltar, ademais, que determinadas condutas praticadas, como constrangimentos intensos, humilhações públicas e ridicularizações reiteradas se devidamente comprovadas, acarretam, como fatos axiomáticos, danos emocionais, não sendo necessária perícia para atestar consequências que são intuitivas.

Ação penal

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.

Aplica-se a Lei nº 9.099/95 para o crime do art. 147-B do CP?

NÃO. A pena máxima do art. 147-B do CP não ultrapassa dois anos, razão pela qual se trata de infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95). Diante disso, indaga-se: é possível a da transação penal, da suspensão condicional do processo e dos demais benefícios da Lei nº 9.099/95 para o autor do crime?

NÃO. A Lei Maria da Penha expressamente proíbe que se aplique a Lei nº 9.099/95 para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Vale ressaltar que a Lei nº 9.099/95 não se aplica nunca e para nada que se refira à lei maria da penha.

Logo, são aplicáveis ao caso as súmulas 536, 542 e 588, todas do STJ:

Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.

Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Vale ressaltar que também não é possível o acordo de não persecução penal, por força da vedação contida no art. 28-A, § 2º, I, do CPP:

Art. 28-A (...)

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:

(...)

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Desse modo, podemos extrair algumas eventuais conclusões:

• admite-se a prisão em flagrante pela prática do crime do art. 147-B do CP;

• deverá ser instaurado inquérito policial para apurar essa infração (não sendo suficiente termo circunstanciado);

• é possível que seja exigida fiança para a liberdade do flagranteado.

“Se a conduta não constitui crime mais grave”

Há uma subsidiariedade expressa no preceito secundário do art. 147-B do CP. Isso significa que, se a conduta praticada puder se enquadrar em um delito mais grave, não será o crime do art. 147-B do CP.

É o caso, por exemplo, do agente que pratica cárcere privado contra a mulher, devendo responder pelo delito do art. 148 do CP:

Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:

Pena - reclusão, de um a três anos.

Nesse ponto, deve-se tomar cuidado com a expressão “limitação do direito de ir e vir” presente no art. 147-B do CP:

·Se o agente implicar, reclamar e ofender a mulher todas as vezes em que ela sai de casa, fazendo com que, para evitar discussões, ela passe a ficar somente em casa: haverá, em tese, o crime do art. 147-B do CP.

·Se o agente privar efetivamente a liberdade da vítima, impedindo que ela saia de casa: o crime será o do art. 148 do CP.

Se a conduta constitui crime menos grave, é absorvida pelo art. 147-B do CP

Algumas condutas praticadas contra a mulher eram anteriormente punidas em tipos penais menos graves e, com a Lei nº 14.188/2021, podem ser agora tipificadas no art. 147-B do CP. É o caso da injúria, prevista no art. 140 do CP:

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Se o agente ofender a dignidade ou o decoro da mulher e isso causar-lhe dano emocional, haverá o crime de violência psicológica (art. 147-B do CP).

Rogério Sanches fornece excelente exemplo de como uma conduta que configuraria, em tese, o crime de dano (art. 163 do CP) pode ser enquadrada agora como violência psicológica:

“Da mesma forma, o dano simples poderá ser absorvido pela violência psicológica. Usualmente, no contexto doméstico e familiar, a conduta de destruir objetos no interior da residência não tem por finalidade primária gerar prejuízo patrimonial, mas sim ser uma exibição de poder e autoridade, representando a possibilidade de dispor sobre a existência de objetos com valor emocional à mulher (ligados à esfera privada, o locus atribuído à mulher). Não raro o dano doméstico possui um sentido comunicativo de ameaça e constrangimento, de forma que o comportamento agressivo significa que o ofensor tem o poder de dispor sobre tudo que está na casa, inclusive da própria mulher, vista como um objeto que pertence ao homem e não deve questionar sua autoridade. Especialmente se o dano é praticado na presença da mulher, se tratará de inegável evento estressante, com potencial de gerar danos emocionais. Nesses contextos, em regra, o agente danifica objetos de estima da vítima, relacionados ao seu trabalho (roupas, relatório de trabalho, utensílios) ou aos seus filhos, como uma forma de demonstração de poder. O ataque não é patrimonial, mas à autoestima e autonomia da mulher.” (FERNANDES, Valéria Diez Scarance. ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: http://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/)

Vale ressaltar, obviamente, que tais condutas, para serem punidas como violência psicológica (art. 147-B do CP) deverão ter sido praticadas a partir do dia 29/07/2021, data em que entrou em vigor a Lei nº 14.188/2021, tendo em vista que se trata de novatio legis in pejus, sendo, portanto, irretroativa.

Diferença entre o crime de perseguição (art. 147-A) e o delito de violência psicológica (art. 147-B)

Rogério Sanches ensina ainda que: “Em tese, será possível o concurso efetivo destes dois crimes, quando cometidos em contextos distintos. Logo, se o casal, por exemplo, está separado, e o ofensor persegue reiteradamente a vítima através de ameaças, que a intimidam, restringem sua liberdade de locomoção e geram um dano emocional à vítima (sofrimento, angústia significativos), estando presente o mesmo contexto fático, considerando que ambos os delitos estão inseridos no mesmo título “dos crimes contra a liberdade pessoal”, será possível que o crime mais grave (a perseguição) venha absorver o menos grave (a violência psicológica), sendo o dano emocional avaliado na fixação da pena base. Com a necessária atenção de que a perseguição é condicionada à representação da vítima e a violência psicológica é incondicionada. Caso não exercido o direito em relação ao crime de ação penal pública condicionada, pode o Estado perseguir o crime que seria absorvido.” (FERNANDES, Valéria Diez Scarance. ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: http://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/) NSERÇÃO DA INTEGRIDADE PSICOLÓGICA NO ART. 12-C DA LEI MARIA DA PENHA A Lei nº 14.188/2021 alterou, ainda, o caput do art. 12-C da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). O art. 12-C, que foi inserido na Lei Maria da Penha pela Lei nº 13.827/2019, previa que, em caso de risco à vida ou à integridade FÍSICA da mulher ou de seus dependentes, o agressor deveria ser imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. A Lei nº 14.188/2021 alterou a redação para dizer que não apenas o risco à integridade física enseja a medida. Se houver risco à integridade PSICOLÓGICA, isso também acarreta o afastamento do agressor. Compare:

A Lei nº 14.188/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (29/07/2021).

Fonte: Blog Dizer o Direito - Márcio Cavalcante

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page